quarta-feira, 16 de julho de 2008

Link - Sua vida digital

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14/07/2008
Cadeia para quem usa iPhone no Brasil?
ArtEstado
Lei, polêmica e internet

PEDRO DÓRIA

Anda a galopes a petição online contra o projeto de lei do senador tucano Eduardo Azeredo, aprovado na última quarta-feira no Senado. Já juntou uma penca de assinaturas e segue semana afora para reunir mais umas dezenas de milhares.

O projeto trata de pôr em lei quais os crimes digitais. É o tipo da lei ampla que o Brasil precisa. Ele sai incluindo novos capítulos no Código Penal, no Código Penal Militar, modifica outras leis. O texto aprovado é muito melhor do que aquele proposto inicialmente. Ainda assim, tem pelo menos um problema sério que salta aos olhos.

“Acessar, mediante violação de segurança, rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso” passa a ser crime. Dá pena de um a três anos de cadeia e multa. Ao ler isto, logo vem à mente a imagem de um hacker tentando driblar a segurança do banco da esquina para coletar uma fortuna.

Bem, há um problema aí. O que o hacker que desviava dinheiro de um banco pela internet faz já é crime. Roubo é roubo, não importa o método. Outras coisas, no entanto, passaram a ser crime. Exemplo simples: todos os que andam com iPhones por aí seriam criminosos conforme a nova lei.

O iPhone de primeira geração, da Apple, vem bloqueado de fábrica para ser usado apenas em uma operadora. Como não era vendido no Brasil, não havia a obrigatoriedade de que aparelhos desbloqueados também estivessem à venda. Era um “dispositivo de comunicação protegido por expressa restrição de acesso” que só poderia ser usado “mediante violação de segurança”. O jovem executivo lustroso ali pela Paulista com seu iPhone, mostrando-o alegre que só para a mocinha sua última paquera? Três anos de cadeia.

O mundo digital, por essência, é de uso genérico. Um mesmo computador pode funcionar como caixa 24 horas, terminal de acesso a email, processador de textos ou toca-discos digital para um DJ no comando da festa. A máquina é rigorosamente a mesma. O software faz com que tenha usos em todo distintos. A máquina que você comprou, um “sistema informatizado” ou “dispositivo de comunicação”, é sua ou de quem a vendeu?

O que esta lei faz é determinar que o uso final da máquina seja dado pelo fabricante. Se ele puser um “dispositivo de segurança” e você usá-la de forma não prevista, cadeia e multa. O resultado, evidentemente, é que esta lei coíbe inovação. Vai mais: ela não apenas dá poderes que a legislação de outros países do mundo não dão aos fabricantes como escreve regras sobre aparelhos que sequer foram inventados. É, portanto, uma lei que afasta quem desenvolve tecnologia do Brasil. Se, ao remexer num aparelho de GPS para desenvolver um uso inovador você corre o risco de ir em cana, é melhor fazê-lo na Argentina.

O senador Azeredo, relator do projeto, argumenta que ele faz com que o Brasil tenha leis compatíveis com a Convenção de Budapeste para Cibercrimes. Não é verdade: seu projeto é muito mais rigoroso. De acordo com a Convenção, o acesso ao “sistema informatizado” só é crime se intencional. Na versão tupinambá, é crime e ponto. A Convenção não trata de “dispositivos de comunicação”, isso é invenção de Azeredo.

O Brasil não é signatário da Convenção de Budapeste, não tem qualquer obrigação. Quase ninguém a assinou. Os EUA só o fizeram depois de várias salvaguardas, dizendo que não a aplicariam em vários pontos pois consideram que a Convenção viola o direito à livre expressão, sacralizado por sua Constituição.
Nem todo advogado da área com quem conversei é contra a lei. Renato Opice Blum, por exemplo, argumenta que leis nunca são perfeitas e, afinal, precisávamos de uma para cibercrimes. É verdade. Agora, o projeto será votado na Câmara e seguirá para sanção presidencial. Um veto nos artigos 285-A e 285-B basta para deixá-la muito melhor.

*pedro.doria@grupoestado.com.br